top of page
  • Foto do escritorLana Capra

O preço da liberdade

Atualizado: 3 de jan. de 2019

O mundo comandado pelos humanos tem uma tendência automática inclinada para o caos. Admita, adoramos o que é perigoso, proibido, muitas vezes errado até. Aquele passo a mais além do limite...

O Caos é uma energia equivalente à Ordem, em intensidade e força, porém oposta. Para equilibrar-se, ambos estarão se apresentando em igual forma, para então coexistirem livremente. Nem tudo são apenas flores e perfumes.

Decúrio e Noctua - os Brancos Acanto e Ladária - os Dourados

Noctua e Ladária não conheciam dragões. Ninguém conhecia, essas criaturas não são nada comuns, apenas lendas muito antigas, animais fantásticos, sabe? Ninguém acha que eles realmente existam. Até o momento da ligação as magas também pensavam assim. Instintivamente, as duas resolveram ocultar a existência dos répteis gigantes do restante da humanidade por algumas razões óbvias mas, principalmente, para protegê-los de serem caçados como feras irracionais (as lendas não mencionavam inteligência neles e diziam inclusive que eram comedores de homens, nada bom...).

Imagine agora que você tem um cãozinho e ele ficou grande... beeeem grande, eu diria. Sua casa fica pequena, o animal fica agitado e necessita gastar energia. Todos os dias Decúrio usava um argumento inteligente, dizia à Noctua os benefícios de estar ao ar livre e tentava convencê-la a deixar que ele saísse da rota tradicional de caça, que pudesse ir mais longe pois a área demarcada como segura pela Maga Branca era muito limitada. Acanto ameaçava queimar as ervas que Ladária cultivava, suas vestes e até seus cabelos enquanto ela dormia caso ela não o deixasse ir mais longe. Como não funcionava, seguidamente ele chorava e implorava, acusando-a de torná-lo um bichinho de estimação.

Depois de muito conversar, as magas resolveram que talvez eles estivessem certos e precisassem de mais espaço (Acanto jura que suas ameaças surtiram efeito mas o Branco tem convicção de que a inteligência aplicada foi a vencedora). Elas delimitaram uma nova área segura, longe dos olhos e das aldeias humanas, tomando o cuidado de desviar das áreas de campo aberto onde eles seriam facilmente vistos. Elas impuseram duas condições simples: andem juntos e nunca saiam à luz do dia. Trato feito.

Queria eu poder dizer que tudo ocorreu perfeitamente daqui por diante e todos foram felizes para sempre mas... não. Semanas depois os irmãos saíram para uma caçada de rotina na floresta de (NOMEAR FLORESTA). Como de costume, traçavam caminho pelo meio da mata para certificarem-se de que não seriam vistos antes de chegarem à clareira que costumavam caçar. Ouviram muitas vozes vindas de lá naquela noite, mas também ouviram uma vozinha lá no fundo de suas mentes... o que é isso? Vamos lá, mais perto... só uma espiadinha... o que será que tem lá?? Curiosidade, você sabe mesmo como convencer alguém, não é?

Silenciosos, os dois esgueiraram-se por entre as árvores e avistaram uma dúzia de moças cantando e dançando ao redor de uma grande fogueira. Elas haviam servido frutas e bebidas perfumadas em vasilhas de prata que estavam dispostas sobre as raízes de um grande carvalho próximo. Os dragões as observavam com um estranho interesse, já que elas estavam totalmente nuas. Eles não conheciam a nudez humana, jamais haviam tido contato com outros seres que não as magas e, certamente, nunca as tinham visto nuas. Intrigados, passaram longos minutos observando as curvas e o movimento dos seios, que em algumas eram grandes e vistosos. “O que será aquela parte escura e peluda ali no meio??” perderam-se em pensamentos, hipnotizados pela cantoria que muito lembrava o cântico mortal das sereias. Passou-se um bom tempo até que eles resolvessem sair das sombras e dar a volta na clareira para não serem vistos. Chegando à orla da floresta, estavam a mais de oito quilômetros de Agri, a cidade mais próxima. Era uma área de campo aberto, fora da rota delimitada por Noctua e Ladária, mas já que a clareira estava ocupada e a noite encoberta e escura, eles não viam mal algum em caçar por ali mesmo.

Não ver o mal não o protege de ser visto por ele. A ingenuidade draconiana era mesmo quase infantil quando se tratava da natureza humana. Do lado sul da clareira, tocaiados em uma funda trincheira, oito (NOMEAR GRUPO) aguardavam pacientemente o fim do ritual dançante para instalar armadilhas naquela área. Este clã de caçadores era famoso por colecionar as maiores e mais exóticas feras e procuravam por um tal “Deus alado” que os habitantes de Agri diziam ter visto. O boato de que uma divindade voadora enviada dos céus pelo Universo foi vista na floresta atraiu as feiticeiras da região, que reuniram-se na clareira para celebrar sua presença e pedir sua bênção. Os caçadores já estavam há quatro dias na floresta e ainda não haviam visto sequer a sombra do ser divino. Esta seria a última noite, esperavam ter mais sorte do que apenas poder comer as oferendas deixadas pelas moças. Eu disse sorte??? Quis dizer sorte grande! Foi o que pensou o jovem caçador que “atendia ao chamado da natureza” em uma moita no fundo, à direita. Ele pensou ter perdido todos os seus fluídos corporais quando viu não uma, mas duas enormes criaturas aladas há poucos metros de onde estava. Elas andavam furtivamente por entre as árvores e quase não faziam barulho, a não ser pelos poucos galhos que se partiam sob seu enorme peso.

Ele teve tempo de chegar à trincheira e sinalizar para que os companheiros o seguissem. Imaginando ser a presa esperada, saíram todos de prontidão em seu encalço. Seus corações bateram na garganta ao chegarem em campo aberto e darem de cara com os dois irmãos esticando as asas antes do vôo. Sem perder um segundo, dividiram-se ordenadamente em duplas carregando dois pares de boleadeiras cada. Eram quatro contra um e Decúrio sequer entendeu o que acontecia quando sentiu um violento puxão no pescoço seguido de uma forte dor na asa esquerda. Cordas compridas com bolas de madeira revestidas de bronze presas na ponta enrolavam-se nele e o prendiam com força. Outra acertou suas patas dianteiras e mais duas o derrubaram, agarrando sua cauda e uma das patas traseiras. Preso ao chão de lado com uma asa e uma pata livres apenas, ele viu a silhueta do Dourado com as quatro patas para cima, amarradas também. Suas asas foram unidas como as de um galo antes do abate, juntas pela base, e cauda e pescoço foram presos ao chão. “Que pesadelo...”

- “Deus Alado” é uma ova. Dragões??? Ninguém iria acreditar se eu não pudesse levar um pedaço comigo para provar...

- P...pe..pedaço? - Decúrio falou sem pensar. - Como assim levar um pedaço??

- Pela Supra, ele fala? - alguém do bando perguntou.

- Ora, ora... ele canta como um passarinho... - respondeu o que deveria ser o chefe. - As crianças adorariam conhecer você! Pagariam muito para poder ver que as criaturas lendárias são reais, de fato. E pensem no poder e na glória... poderíamos dominar reinos inteiros! Senhores, considerem esta como nossa aposentadoria.

- E o que faz você pensar que vamos nos submeter a isso? - Acanto perguntou destilando seu costumeiro sarcasmo. - Não como carne humana, mas para você abro uma exceção. - Debateu-se sem sair do lugar, as cordas nem mesmo afrouxaram. Que material resistente!!

- Bem, já que não vai cooperar, PLANO B, RAPAZES! Arranquem o couro e vejamos quantas armaduras e escudos fazemos com as escamas. E cortem também a cauda... quero a ponteira em uma lança longa.

Escravizados, mutilados, assasinados... Este era o primeiro contato deles com a ganância.

- NINGUÉM TOCA NA MINHOCA! - Gritou uma voz feminina, grave, saindo da floresta. - Envolta em uma grossa túnica escura, com capuz cobrindo o rosto, Ladária andava rapidamente até eles. - Ele é propriedade privada, não notaram?

Um tanto confusos, os caçadores se entreolharam. De braços cruzados fingindo indignação ela continuou:

- O número de registro está gravado na décima segunda escama do pescoço, partindo da boca, a terceira de cima para baixo do lado esquerdo.

- Verifique – alguém exclamou.

- Vá você... ou acha mesmo que vou me aproximar daquela boca? - outro retrucou.

- Ah, qual o problema? Cheguem mais perto!!!!! - Debochava Acanto.

Tomado de coragem, o garoto que havia avistado os irmãos dragão da primeira vez resolveu aproximar-se. Ele chegava cada vez mais perto, enquanto Acanto fazia expressão de bonzinho.

- Afaste-se logo daí, seu idiota! Ele te engolirá sem nem mastigar! - outra voz feminina aproximava-se do grupo. - Como puderam ser pêgos por esses exemplos de inteligência??? Francamente, Decúrio.

O dragão branco sorriu, envergonhado. Noctua estava certa, que toupeiras!!!

- Chega de tolices. Quem são vocês? - o suposto líder manifestou-se.

- Apresentações são desnecessárias. Libertem os monstrinhos e ninguém se machuca. - disse Ladária.

- Mais algum elogio??? - Acanto perguntou à Dourada.

- Tudo bem, entendi... vocês são engraçados, todos vocês – continuou o homem. - Vou dizer algo bem engraçado. Não importa o quanto tentem nos enganar, ameaçar ou intimidar. Levaremos as bestas vivas ou mortas, isso inclui as duas humanas também... se fugirem, nós os encontraremos, nem que leve mil anos, ou que precise de um exército... eles valem o triplo do seu peso em riquezas e não pensem que eu esquecerei destes insultos. Vocês serão nossa próxima caça e suas cabeças serão expostas nas... serão nas.. o.. que... está...

Noctua terminava de murmurar o feitiço praepedire. Estavam todos imóveis. Muito séria, ela explicou:

- Seu discurso foi bem esclarecedor, mas entenda... existem razões para que eles fiquem escondidos. A humanidade ainda é muito cega para enxergar a real beleza que há nestas feras aladas. Elas possuem sentimentos, vontades, anseios... Existe uma tendência de destruir o que se pensa ser ameaçador e, enquanto não forem capazes de compreender o íntimo destas criaturas, os humanos não devem tê-las por perto.

Por um momento o homem pensou.

- Seu discurso também foi esclarecedor, mas entenda... EU NÃO DOU A MÍNIMA!!! SOLTE-NOS, FEITICEIRA MALDITA!!! - ele gritava e se debatia sem sucesso, como uma mosca presa nas teias das aranhas. - VOU ARRANCAR SUA CABEÇA E DAR DE COMER AOS JAVALIS!!!!!

Com um suspiro de desapontamento, Noctua aproximou-se dele. Ignorando seus gritos e ameaças, ela retirou a faca do cinto do homem e analisou-a sob a luz da lua. Era uma lâmina longa e lisa. Olhando fundo nos olhos dele, a Maga Branca enterrou a faca até o cabo logo abaixo das costelas do lado esquerdo, perfurando pulmão e coração.

- Não ameace meu dragão – ela sussurrou em seu ouvido antes que sua vida se esvaísse.

Enquanto isso, Ladária já estava com as mãos no chão, seus olhos estavam sem cor e uma fumaça roxa saía de sua boca. Siccant...

- Ladária, você vai...

- Solte os dois – ela respondeu – Eu cuido deles até você terminar.

Noctua assentiu. Sustentando o poderoso feitiço que impedia os caçadores de moverem-se, andou até onde estava Decúrio. Notou o estranho material de que eram feitas as cordas que os prendiam: Teias de noidea, aranhas raríssimas de encontrar e sua teia difícil de se obter. Esse grupo certamente caçou pelo menos dois exemplares da criatura para ter conseguido tamanha quantidade de teia. Ela sacou seu punhal de dentro das vestes e, com um pouco de dificuldade, cortou as teias que o prendia. Enquanto o dragão alongava-se e retomava lentamente os movimentos dos músculos, a maga recolhia uma porção dos fios brilhantes e seguia na direção de Acanto.

Os sete membros restantes do bando, que permaneciam imóveis pelo feitiço de Noctua, estavam agora sofrendo as consequências do ataque da Maga Dourada. Seus corpos estavam sendo drenados, sua energia vital era forçada a separar-se de seus corpos para então dissipar-se no Universo. Enquanto sustentava o encanto, os corpos dos caçadores murchavam, tornavam-se ressequidos e esqueléticos, já sem força alguma. Sua pele escurecia, os cabelos caíam. Mesmo livre, Decúrio recusou-se a olhar a cena que se seguia. Andou até a Maga Branca e o irmão e ajudou a libertá-lo.

- Vão logo. - Noctua ordenou. - Encontramos vocês em Colis. E por favor tenham cuidado.

Eles saíram logo, deixando as duas para trás. Aproximando-se de Ladária, ela notou que alguns dos homens já não viviam mais.

- Mors finis – pronunciou a branca. - Os sete corpos caíram, fracos demais para qualquer movimento. Cinco deles pereceram e o processo de desmaterialização iniciava-se rapidamente. Dois ainda resistiam, agonizando. Em poucos segundos, suas respirações cessaram. Estava acabado.

A dourada levantou-se e observou os corpos ao lado da amiga.

- Odeio essa parte... mas fingir que o mundo é perfeito não preserva a existência deles, não é mesmo?

- Não, Ladária. E hoje provamos que nem a nossa. - Em poucos minutos a desmaterialização se completava, era muito mais rápida com a essência separada da matéria previamente. - Vamos em bora. Preciso de um banho de saliscibario para tirar esse cheiro de morte.

Assim, elas deixaram o campo e os corpos para trás, pelo menos o que restou deles. Ninguém nunca mais ouviria falar daquele grupo de (NOMEAR GRUPO), não fosse pelo bêbado semi-adormecido no toco de uma árvore, bem escondido das vistas de todos. Ele vira a estranha cena, apavorado, e conseguiu ficar escondido até que tudo se acalmasse. Algumas horas depois jazia morto numa taverna escura em Agri, chegou esbaforido contando uma história louca sobre dragões gigantes e magas assassinas... pobre diabo! A bebida acabou com sua mente, e agora com seu corpo também, era o que diriam os moradores locais que o conheciam. Sorte do bardo desinspirado e falido, que ouvindo a fantástica narrativa do moribundo escreveu uma canção. Quer ouvi-la? Visite a aconchegante Agri!! Não há um só morador vivo que não a conheça!

2 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page